Odeio o Natal.
Nesta altura do ano tenho sempre vontade de me deitar mal se acendem as luzes na rua e acordar quando as desligarem.
As boas recordações que tive dos Natais da minha infância esvaneceram-se todas no ano em que a minha avó materna morreu, um dia depois do Natal.
Foi o primeiro e único ano que o passei longe dos meus pais, que ficaram com ela inerte, qual vegetal autêntico numa cama, em casa.
Nunca mais o Natal foi igual e nem mesmo a alegria do meu filho o torna em algo de agradável. Pelo contrário, torna-o ainda mais hipócrita por ter de fingir, perante ele, que é uma época feliz.
Custa-me tanto...
Há maior hipocrisia que dizer-se que Deus é bom, que o Jesus nasceu para salvar o mundo, quando se vê na televisão que 1 em cada 2 crianças deste planeta vive sem condições mínimas de subsistência?
Já imaginaram que a dinheirama que se gasta em presentes para pessoas a quem não ligamos um ano inteiro podia servir para saciar a fome a milhares de crianças subnutridas?
Acho absurdo, por exemplo, que ofereçam presentes ao meu filho, que nem conhecem, só porque é neto da minha mãe, a quem devem um qualquer favorzeco de merda. E, claro está, que ela retribui com um presenteco qualquer só para não parecer mal!
E se agarrassem nesse dinheirinho e fossem até uma instituição de caridade dar em mão um saco cheio de mercearias? Não fariam muito mais feliz uma criança que nada tem?
E ao escrever isto reparo como eu própria sou egoísta ao gastar rios de dinheiro nos copos...
Que direito tenho eu de criticar a hipocrisia das prendas de Natal se eu própria invisto em algo que entra por cima e sai por baixo minutos depois...
Realmente a nossa mente é estranha. Somos capazes de criticar atitudes que nós próprios tomamos, quase inconscientemente, e tentar evita-las mas esquecemo-nos sempre de outras atitudes, igualmente egoístas.
Há sempre uma hipótese de redenção. Há várias coisas que se podem fazer.
Querem um exemplo?
Na próxima vez que forem para a night com os vossos amigos experimentem sugerir que em vez de beberem mais um copo metam esse dinheiro num saco. No final da noite, tudo o que conseguirem reunir será depositado na conta de uma instituição de solidariedade.
Vai uma aposta que o copo a seguir nos vai saber muito melhor?
Claro que a reacção inicial pode não ser muito positiva mas se soubermos ser convincentes ninguém fica indiferente.
E tentar não custa. A única garantia é o Não!
E se conhecerem o dono de um bar que frequentem e lhe sugerirem uma acção deste género, ele também não recusará.
Se tiverem um estabelecimento comercial podem colocar uma caixa de gorjetas para esse fim, dando a garantia ao cliente que, depois do Natal, o comprovativo do depósito será exibido em local vísivel.
São pequenas ideias, são pequenos nadas, mas podem marcar a diferença nos nossos corações, nas nossas consciências.
Vejam lá no fundo dos vossos armários se não estará uma camisola que já não usem. Peguem nela e entreguem na vossa paróquia, na junta de freguesia ou até mesmo num infantário perto de vocês. Há sempre uma família carenciada por perto, mesmo nos bairros mais chiques.
Peçam às vossas crianças um brinquedo que já não usem, embrulhem-no em conjunto e entreguem-no numa instituição social.
Usem a imaginação e sejam mais felizes com o bem que fizeram ao próximo.
Isso, sim, é o espírito de Natal.
Façamos do Natal o que ele deve ser: a época da partilha!